23.3.07
Jardins do Palácio de Cristal: um lamentável caso de má gestão
- comunicado da Campo Aberto à imprensa
A recente e violenta poda realizada na avenida das tílias do Palácio de Cristal, repetindo a asneira cometida há cerca de dois anos, deixou as árvores num estado tal que não pode deixar de chocar os frequentadores e visitantes do mais emblemático jardim portuense. A gestão do espaço tem sido assegurada por uma empresa municipal (a Porto Lazer) sem vocação nem competência para essa nobre tarefa. É urgente que a Câmara Municipal do Porto transfira essa gestão para os serviços do Pelouro do Ambiente – pois é inadmissível que as boas práticas que se observam nos restantes locais públicos da cidade não transponham os portões do Palácio.
Os jardins do Palácio de Cristal são dos locais mais frequentados da cidade e mais visitados por turistas. Um terreno acidentado, disposto em vários patamares, permitiu a criação, num espaço relativamente reduzido, de vários ambientes diferenciados: os jardins formais e geométricos logo à entrada do recinto, as alamedas de plátanos e tílias, o bosquete de camélias nas traseiras da biblioteca Almeida Garrett, o arboreto e a esplanada em redor do lago, os vários miradouros que deixam espreitar o curso do rio Douro desde Miragaia até à Foz.
Além do seu valor turístico, social e ambiental, os jardins do Palácio são importantes pelo seu valor histórico. Criados na década de 1860 por iniciativa de Alfredo Allen, com desenho do paisagista alemão Emílio David, são dos espaços ajardinados mais antigos do Porto: só o Jardim de S. Lázaro é mais antigo, sendo o Jardim da Cordoaria, também de Emílio David, alguns anos mais novo. Mas, enquanto S. Lázaro mantém o seu carácter original, o jardim de Emílio David na Cordoaria foi completamente obliterado pela Porto 2001. O Palácio de Cristal, de onde já desapareceu o edifício que lhe deu o nome, é pois o último espaço público do Porto a conservar alguma da herança dessa figura tão influente na arte dos jardins em Portugal.
Um património tão valioso como este, e um espaço tão marcante para a imagem do Porto (tanto aquela que a cidade tem de si própria como a que oferece aos visitantes), deveria merecer, por parte da Câmara Municipal, os mais desvelados esforços de manutenção e embelezamento. Infelizmente, por razões burocráticas que hoje mal se entendem, os jardins do Palácio de Cristal não estão na dependência nem do Pelouro do Ambiente, nem dos serviços municipais a ele subordinados que têm a missão de cuidar deste tipo de espaços. Tanto o Departamento Municipal de Espaços Verdes e Higiene Pública como a Divisão Municipal de Parques e Jardins não têm qualquer palavra a dizer sobre os jardins do Palácio: quem lá manda é a empresa municipal Porto Lazer, que os herdou do extinto Gabinete de Desporto. Tudo isto seria de somenos importância se os jardins e o seu património vegetal andassem bem tratados; como não andam, a comparação com outros espaços públicos da cidade leva-nos à conclusão inevitável: a Câmara do Porto abdica de usar as competências que tem (em jardinagem, no tratamento de árvores ornamentais, etc.) no mais emblemático jardim à sua guarda. O que se tem passado no Palácio de Cristal é uma combinação nefasta de incompetência e negligência.
O caso mais flagrante de incompetência é o estado em que ficou a avenida das tílias depois de uma série de podas insensatas, a primeira e mais radical feita há cerca de dois anos e a segunda há duas semanas. No extremo sul da avenida, junto à capela de Carlos Alberto, o que temos não são árvores, mas sim tocos: restos mutilados de árvores, sem utilidade e sem beleza. Não é plausível a justificação de que as árvores estariam doentes, pois a motosserra tanto atacou árvores jovens como adultas, e as feridas que ficaram expostas nos troncos mostram bem como elas estavam saudáveis. Terá sido por receio de as árvores caírem? É que, nos últimos anos, várias tílias têm lá caído empurradas pelo vento. Mas, por ironia, também tombaram árvores que tinham sido podadas preventivamente, o que mostra que tal remédio não é seguro. E se o preço para manter as árvores de pé é reduzi-las a tocos disformes, então mais vale desistirem das tílias e plantarem árvores mais resistentes às intempéries. Não tem sentido manter uma alameda de tílias – árvores ornamentais por excelência, admiradas pela harmonia e simetria das suas copas – neste estado miserável.
Em todo o caso, é importante que a Porto Lazer, E.M. responda às seguintes perguntas:
Outros casos mais ou menos recentes são indicativos de negligência. Em 2003, foi instalado um sistema automático de rega no jardim formal à entrada; na abertura dos regos usou-se uma escavadora e não houve a precaução de não se cortarem raízes; em resultado disso – e talvez também do excesso de água – várias árvores e arbustos vieram posteriormente a perder-se.
Os vários jardins temáticos estão ao abandono. O Jardim dos Sentimentos, construído num socalco voltado para a rua da Restauração e inaugurado em Janeiro de 2001, embora parta de uma ideia interessante (divulgar alguma da simbologia associada às plantas) e faça uso de um espaço antes desaproveitado, tem por base um mau projecto. Todo o jardim assenta numa placa de cimento; e, entre tanques de água estagnada e caminhos em ziguezague, sobram uns canteiros estreitos, de pequeníssima profundidade. As plantas que têm morrido – e têm sido quase todas – não são substituídas, e as etiquetas também já desapareceram: o efeito geral é desolador. Melhor sorte poderia ter tido o Jardim dos Cheiros, pois aí as condições não são tão adversas para as plantas; mas o abandono a que foi votado transformou-o num matagal onde há mais vegetação daninha do que plantas aromáticas. Finalmente, há o caso caricato do Jardim de Roterdão: inaugurado em 2001, ano em que essa cidade holandesa partilhou com o Porto o título de Capital Europeia da Cultura, foi concebido como um jardim para flores sazonais, mas está hoje convertido num triste relvado.
A gestão dos jardins do Palácio de Cristal não tem estado à altura da importância patrimonial, histórica e social desse lugar único da cidade do Porto. E é à Câmara Municipal do Porto, através do seu Pelouro do Ambiente, que cabe resolver o problema.
Porto, 23 de Março de 2007
P.S. Veja fotos da poda de 2005 no blogue A Cidade Surpreendente
A recente e violenta poda realizada na avenida das tílias do Palácio de Cristal, repetindo a asneira cometida há cerca de dois anos, deixou as árvores num estado tal que não pode deixar de chocar os frequentadores e visitantes do mais emblemático jardim portuense. A gestão do espaço tem sido assegurada por uma empresa municipal (a Porto Lazer) sem vocação nem competência para essa nobre tarefa. É urgente que a Câmara Municipal do Porto transfira essa gestão para os serviços do Pelouro do Ambiente – pois é inadmissível que as boas práticas que se observam nos restantes locais públicos da cidade não transponham os portões do Palácio.
Os jardins do Palácio de Cristal são dos locais mais frequentados da cidade e mais visitados por turistas. Um terreno acidentado, disposto em vários patamares, permitiu a criação, num espaço relativamente reduzido, de vários ambientes diferenciados: os jardins formais e geométricos logo à entrada do recinto, as alamedas de plátanos e tílias, o bosquete de camélias nas traseiras da biblioteca Almeida Garrett, o arboreto e a esplanada em redor do lago, os vários miradouros que deixam espreitar o curso do rio Douro desde Miragaia até à Foz.
Além do seu valor turístico, social e ambiental, os jardins do Palácio são importantes pelo seu valor histórico. Criados na década de 1860 por iniciativa de Alfredo Allen, com desenho do paisagista alemão Emílio David, são dos espaços ajardinados mais antigos do Porto: só o Jardim de S. Lázaro é mais antigo, sendo o Jardim da Cordoaria, também de Emílio David, alguns anos mais novo. Mas, enquanto S. Lázaro mantém o seu carácter original, o jardim de Emílio David na Cordoaria foi completamente obliterado pela Porto 2001. O Palácio de Cristal, de onde já desapareceu o edifício que lhe deu o nome, é pois o último espaço público do Porto a conservar alguma da herança dessa figura tão influente na arte dos jardins em Portugal.
Um património tão valioso como este, e um espaço tão marcante para a imagem do Porto (tanto aquela que a cidade tem de si própria como a que oferece aos visitantes), deveria merecer, por parte da Câmara Municipal, os mais desvelados esforços de manutenção e embelezamento. Infelizmente, por razões burocráticas que hoje mal se entendem, os jardins do Palácio de Cristal não estão na dependência nem do Pelouro do Ambiente, nem dos serviços municipais a ele subordinados que têm a missão de cuidar deste tipo de espaços. Tanto o Departamento Municipal de Espaços Verdes e Higiene Pública como a Divisão Municipal de Parques e Jardins não têm qualquer palavra a dizer sobre os jardins do Palácio: quem lá manda é a empresa municipal Porto Lazer, que os herdou do extinto Gabinete de Desporto. Tudo isto seria de somenos importância se os jardins e o seu património vegetal andassem bem tratados; como não andam, a comparação com outros espaços públicos da cidade leva-nos à conclusão inevitável: a Câmara do Porto abdica de usar as competências que tem (em jardinagem, no tratamento de árvores ornamentais, etc.) no mais emblemático jardim à sua guarda. O que se tem passado no Palácio de Cristal é uma combinação nefasta de incompetência e negligência.
O caso mais flagrante de incompetência é o estado em que ficou a avenida das tílias depois de uma série de podas insensatas, a primeira e mais radical feita há cerca de dois anos e a segunda há duas semanas. No extremo sul da avenida, junto à capela de Carlos Alberto, o que temos não são árvores, mas sim tocos: restos mutilados de árvores, sem utilidade e sem beleza. Não é plausível a justificação de que as árvores estariam doentes, pois a motosserra tanto atacou árvores jovens como adultas, e as feridas que ficaram expostas nos troncos mostram bem como elas estavam saudáveis. Terá sido por receio de as árvores caírem? É que, nos últimos anos, várias tílias têm lá caído empurradas pelo vento. Mas, por ironia, também tombaram árvores que tinham sido podadas preventivamente, o que mostra que tal remédio não é seguro. E se o preço para manter as árvores de pé é reduzi-las a tocos disformes, então mais vale desistirem das tílias e plantarem árvores mais resistentes às intempéries. Não tem sentido manter uma alameda de tílias – árvores ornamentais por excelência, admiradas pela harmonia e simetria das suas copas – neste estado miserável.
Em todo o caso, é importante que a Porto Lazer, E.M. responda às seguintes perguntas:
- Foi feito algum estudo fitossanitário que justificasse intervenções tão drásticas como as que foram feitas nas tílias da avenida?
- As podas foram acompanhadas por algum técnico de arboricultura credenciado?
- A empresa que as executou tem pessoal devidamente habilitado para estas intervenções?
Outros casos mais ou menos recentes são indicativos de negligência. Em 2003, foi instalado um sistema automático de rega no jardim formal à entrada; na abertura dos regos usou-se uma escavadora e não houve a precaução de não se cortarem raízes; em resultado disso – e talvez também do excesso de água – várias árvores e arbustos vieram posteriormente a perder-se.
Os vários jardins temáticos estão ao abandono. O Jardim dos Sentimentos, construído num socalco voltado para a rua da Restauração e inaugurado em Janeiro de 2001, embora parta de uma ideia interessante (divulgar alguma da simbologia associada às plantas) e faça uso de um espaço antes desaproveitado, tem por base um mau projecto. Todo o jardim assenta numa placa de cimento; e, entre tanques de água estagnada e caminhos em ziguezague, sobram uns canteiros estreitos, de pequeníssima profundidade. As plantas que têm morrido – e têm sido quase todas – não são substituídas, e as etiquetas também já desapareceram: o efeito geral é desolador. Melhor sorte poderia ter tido o Jardim dos Cheiros, pois aí as condições não são tão adversas para as plantas; mas o abandono a que foi votado transformou-o num matagal onde há mais vegetação daninha do que plantas aromáticas. Finalmente, há o caso caricato do Jardim de Roterdão: inaugurado em 2001, ano em que essa cidade holandesa partilhou com o Porto o título de Capital Europeia da Cultura, foi concebido como um jardim para flores sazonais, mas está hoje convertido num triste relvado.
A gestão dos jardins do Palácio de Cristal não tem estado à altura da importância patrimonial, histórica e social desse lugar único da cidade do Porto. E é à Câmara Municipal do Porto, através do seu Pelouro do Ambiente, que cabe resolver o problema.
Porto, 23 de Março de 2007
P.S. Veja fotos da poda de 2005 no blogue A Cidade Surpreendente